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Crônica de um assassinato ou um elogio à violência e a banalidade. Ou então: um homem sob a pirâmide.  

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Marcos Improta
Escutai!

Todos,

Até os inúteis devem viver.

[Maiakovski]

Sábado. É manhã, não passa das sete horas. O sol brilha, o céu é límpido. Faz frio lá fora. Chávena cheia, cigarro aceso, me debruço na janela para ver os transeuntes que passam. Movimento intenso de pessoas. O dia parece que será tranqüilo. Os jornais com as notícias de sempre, ainda fresco sobre a mesa. A vizinha passa dá bom dia, e isso dura alguns minutos até que ela volte. “... mataram um homem ao lado do teatro vizinho. Dizem que arrancaram até a cabeça do pobre.”

No início, a sensação do comum, e a notícia soava com ares de glosa. Crimes acontecem todos os dias. Nem o fato do degolamento foi bastante insólito para tornar a informação menos trivial. Enquanto pensava, perdido e introspectivo, a senhora continuava a detalhar o assassínio com tanta literatura que agora parecia de todo absurdo.

De certo voltaria a minha inconteste rotina matinal, se não me tomasse de curiosidade, ir ter por conta do acontecido. Poucos metros de casa e um considerável número de pessoas se amontoara em volta de alguns policiais. De certo, estava ali o defunto. Apesar de coberto, pude ver a cabeça ainda presa ao pescoço – senti-me mais aliviado. Na circunvizinhança nada se ouvira. Tiros, grito de dor, vozes discutindo... O que bastava era que tinham um morto para ocupar as prosas do dia.

O homem, mesmo sem vida, não escapara de seu julgamento. Os populares, sem nenhuma vergonha, assegurava em velar aquela alma até o inferno. E as especulações sentenciais corriam as bocas, que pareciam babar as elucubrações: Traficante, ladrão, dívida de drogas... Aquele assassinato parecia causar alívio para a maioria daquela gente, já que a inocência passava longe das mentes dos vivos. Assim o tempo ia passando.

Entre um prosear e outro, entre idas e vindas, faltava pouco e se sucedia um poente. Quase hora da Ave Maria. Ninguém reclamou o corpo. A policia não removia do local aquele apanhado de carnes podres. Os jornalistas não apareceram. Não era relevante aquela vida, talvez. Ou vida nenhuma. Voltei a me assustar com a violência. Voltava para casa com os pés sujos de barro. Estávamos todos na lama, pensara. Desde então, não paro de imaginar o momento de nossa catarse: quando o mais puro dos líquidos lava o pecado da alma que se evola.

Delibere o leitor como queira, mas faz-se necessário refletir morte tão bestial. As balas que lhe enterraram na carne tinham nomes: desemprego, desigualdade social, pobreza, politicagem, analfabetismo, maldade, destino, natureza... Não era bala perdida.

OBS: Baseada em fatos reais. Um homem foi encontrado morto próximo a minha casa em Camaçari. Não foi encontrado documentos com o corpo. Até aqui, é desconhecida sua identidade e o motivo de sua morte.

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