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Entrando para a família  

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Joni


Nos fundos do sobrado em ruínas estava Macula na dele, na dele, fazendo horário, pois tinha acordado muito cedo e ainda ia tomar o café da manhã com Preá e Bolinha, seus sócios-amigos dos empreendimentos, dos planejamentos estratégicos, das táticas infalíveis. Olhava para os dois e ficava pensativo. Que merdas de sócios foi arranjar que trás para o moquifo uma das vítimas do assalto.

A vítima estava assustada, com os olhos arregalados e com um pequeno ferimento na testa que Preá tinha feito com uma coronhada que deu quando anunciou o assalto na padaria:

- Aõs á cima, odos!
- Hein?! Falou o quê? – disse a vítima quase rindo.
- Á ti uder, orra! – e meteu o berro na cabeça da senhora.
Macula olhava os sócios com a vítima do lado, a larica batia e foi tomar o café da manhã que naquele dia estava bastante sortido: primeiro apertaram um morrão e ficaram dando tragadas num carrossel sincronizado, de mão em mão, Macula administrando a quantidade de tragadas que Preá e Bolinha davam, depois passavam para a mulher que fazia assim com o dedo fura-bolo sempre agradecendo, mas Preá se invocou chegando junto e botando respeito na situação, se ofendendo com a recusa da senhora que acabava fumando. Depois eles pegavam os pitilhos e acendiam nas latas e nos cachimbos. Que comédia! Pensava Macula vendo que o efeito do crack em Preá fazia-o virar um neném, chamando a mãe, querendo mamar nos peitos da vítima, que acabava deixando por pura educação e pena, num sabe? Já Bolinha andava se protegendo como se as coisas estivessem caindo na cabeça dele. Que as paredes estivessem caindo, as nuvens, o céu, o sol, tudo tudo estivesse se desmanchando. Macula via tudo aquilo e na sua paciência costumeira aplicava uns cachações e uns cascudos nos dois que acabavam chamando-os para a responsabilidade. Depois forraram o estômago, tomando uma branquinha que ninguém é de ferro.

Já prontos para o trabalho deixaram a vítima amarrada no pé de uma cadeira. No pé de uma cadeira?! Por efeito da pressa ou dos pitilhos, amarraram a mulher desajeitadamente na cadeira, e este fato marcaria profundamente a vida deles.

Assaltaram uns turistas no Pelô e saíram em debandada pela rua da Oração com os alemães-poliça no seu encalço, até que são cercados por eles que já chegaram destabocando Macula, Preá e Bolinha. Mas aquilo era hora para a epilepsia ou o santo de Bolinha baixar? Que coisa! Puxaram a língua do infeliz e o deixaram se contorcendo falando num idioma estranho.

- E aí, compade Macula! – disse o alemão-poliça.
- Diga aí, Bigode! Precisava bater forte desse jeito? – falou Macula.
- O tenente estava olhando e eu tive que caprichar no teatro. O que temos aí?
- Nada. Estes turistas só saem agora com o necessário.
- Deixa eu ver...- e o alemão-poliça leva quase tudo do produto do assalto. E completa: - Tenho que dar uma ponta a muita gente.

Ao chegarem desolados no moquifo, encontra-o todo limpo e arrumado, a mulher mandando eles tirarem os sapatos, que vão tomar banhos antes de se sentarem na mesa, que o moquifo agora tinha sala, quarto do casal, quarto dos meninos Preá e Bolinha, e cozinha, que, aliás, vinha um cheiro tão bom da lata que estava no fogo e fazia a barriga roncar. A mulher pegou uns restos no mercadinho e com um bom limãozinho da terra, dois dentinhos de alho, uma folha de louro, coentro à vontade, uma pitada de cominho e sal a gosto, qualquer sobe-e-desce ficava uma beleza. Os três se entreolharam. Preá pensou alto: amos udidos! Macula se segurando com vontade de acabar com toda aquela presepada. Até que a mulher arrematou: - Os finórios são melhores. Acabou este negócio de morrão por aqui, estão ouvindo? Depois do almoço, se os meninos comerem tudo, eu deixo vocês brincarem com os pitilhos, que eu e o seu pai Macula vamos deitar um pouco. E continuou: Agora vamos agradecer a Deus pelo dia, pelo alimento, pela vida, pela nossa família...

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7 comentários: to “ Entrando para a família


  • 29 de outubro de 2009 às 06:07  

    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Essa é d +.


  • 30 de outubro de 2009 às 06:47  

    A leveza e o bom humor é a tônica dos seus textos, por isso gosto muito. Você expõe com realismo, a degradação do ser humano e da sociedade como um todo. São as nossas mazelas de cada dia!


  • 5 de novembro de 2009 às 12:51  

    Onde esse cara tirou essas idéias? Parece tudo muito real e louco. Parece que ele estava muito doido quando escreveu isto. De qualquer forma achei muito interessante.


  • 6 de novembro de 2009 às 07:27  

    Candeias disse: Seus textos como sempre expõe a nossa vergonhosa realidade, quando demonstra de maneira clara que aqueles que deveriam nos proteger são coniventes com a violência. Parabéns!


  • 10 de novembro de 2009 às 10:27  

    Sesu textos são muito bons!!!


  • 10 de novembro de 2009 às 13:53  

    Você tem uma visão de mundo realista, porém não acho que um(a) pessoa sequestrado(a) ficasse com os bandidos, mas tirando isso seu texto é muito bom, eu gostei.
    Bjs, Elvira.


  • 9 de dezembro de 2009 às 12:29  

    João,
    Você conseguiu mostrar a trajetória dos personagens, que vai da crueldade à ternura.Lembrou-me o tempo em que ,uma tal dupla, andava vasculhando O Pelourinho pobre e marginalizado.

    Railton