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1.3 Pré-história a base de morfina  

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Lucas Moreira
Meninos Perdidos do Centro da Cidade corresponde a um livro de Lucas Moreia. 
Seus capítulos serão lançados a cada edição da Revista Antimatéria.
Leia: Cap. 1 - Pré-história a base de morfina. Parte I e Parte II


Na sala de cirurgia, enquanto a Eneida recebia anestesias de diversos tipos de substancias em sua barriga para dar à luz ao pobre Luke via parto cesariano, a televisão, que ficava presa em um suporte no alto da parede da sala de espera, foi sintonizada num número de rede televisiva, que misturava música e imagem, ainda desconhecido até então: MVT – Music Video TV. Por ele, a gente ficava sabendo quais eram os artistas que alçavam as paradas de sucesso internacional. Enquanto eu nascia, eram os Tears For Fears que estavam em primeiro lugar com o hit Everybody wants to rule the world.


O vídeo-clipe começava com um garotinho de origem aparentemente mexicana fantasiado de cowboy e andando de velotrol enquanto Curt Smith, baixista do grupo, cruzava a estrada com um cadilac.   Em toda a maternidade, havia cerca de vinte televisores nos mais inusitados cantos da instituição. Todos os televisores sintonizados no mesmo canal. Na portaria, no estacionamento, no elevador, no berçário, na sala de parto, não havia um espaço imune da batida desse hit.


Nenhuma das anestesias funcionou em Eneida e os médicos partiram para a preparação do ritual do parto normal pondo-a de cócoras e dando uma nova injeção anestésica, já que a passagem era muito pequena.

- O que é isso que você aplicar em mim, sua filha da mãe?
- Uma anestesia simples, minha querida, a base de morfina para relaxar os músculos da vagina. Respondeu a auxiliar de cirurgia calmamente sem se deixar ser insultada.
- Tudo que, no fim, tem “ina”, tem má sina.  Alertou a mulata Eneida contorcendo-se toda para dar à luz a Luke.

A ascensorista mastigava um chiclete, a enfermeira dosava gotas de homeopatia nos recém-nascidos dentro das incubadoras, os seguranças cochilavam e os médicos pediam para a Eneida fazer força.

- Vamos! Força! Você consegue. Está saindo, está saindo. Só mais um pouco. O médico a motivava.

Dois afros-descendentes dançavam alegremente em um posto de gasolina abandonado, um garoto de pinta australiana tomava um sorvete despreocupado. Nascer branco, como acho que sou, ou me jogar debaixo de uma fonte que jorra petróleo para me tornar um negro de valor? Ao ter saído por inteiro das entranhas da mulata Eneida houve um silêncio tão grande. Os médicos olhavam para a criança e para a mãe estranhando o nascimento de uma criança branca dentro de um útero negro. 

Eu, a coisa branca e indesejada, saí de sua vagina melado de um sangue preto e retinto, e de um líquido amniótico que me deu preguiça para abrir os olhos. A mulata Eneida deu um grito que acordou o edifício hospitalar e os recém-nascidos, arrancando um pedaço do dedo da pobre auxiliar de cirurgia que estava ao seu lado a consolando.

- Everybody wants to rule the world. Curt Smith e Roland Orzabal finalizaram pela TV anexada à parede do berçário e pelo rádio do carro de Homero que não conseguiu chegar a tempo preso no engarrafamento.


Leia: Pré-história a base de morfina. Parte I e Parte II
        
Foto: Cartaz da Dentsu de Pequim para o Viagra

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