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1.2. Pré-história a base de morfina.  

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Lucas Moreira

Meninos Perdidos do Centro da Cidade corresponde a um livro de Lucas Moreia. Seus capítulos serão lançados a cada edição da Revista Antimatéria.

O acidente biológico, o anti-fenômeno da natureza humana, uma aberração da natureza. Era assim que eu me sentia antes mesmo de nascer. Minha mãe sofreu de depressão aguda durante oito dos nove meses de gestação. E, segundo o remorso dela, meu pai a agrediu física e verbalmente enquanto eu me desenvolvia no seu útero. Seus desalentos, ansiedades, tristezas, irritabilidades e fadigas foram dividas comigo no sentido vertical e a rejeição do pai no sentido horizontal. Para sanar a depressão, ela se automedicou com ansilíticos e antidepressivos tais como clordiazepóxido, tranxilene e loraxzepam. Depressão pré e pós-parto, foi diagnosticado. Uma excelente oportunidade para gerar um serial killer ou ou um viciado em heroína que se esconde debaixo de uma ponte, mas felizmente esse não será o meu caso.

No nono mês, sua bolsa resolveu estourar em seu local de trabalho, no Aeroporto Internacional Raul Seixas. Às pressas, seus colegas de trabalho a puseram em um táxi sozinha e lhe desejaram boa sorte dando tchauzinhos em pés em cima do passeio. À caminho da maternidade, ela tinha dificuldades para falar ao celular com meu pai, pois o taxista estava com vidro divisor fechado e com o som do seu carro no último volume.
I can´t stand this indecision married with a lack of vision.

- Everybody wants to rule the world. Cantava o taxista.
- Hei, por gentileza, você poderia abaixar o volume do aparelho de som? Pediu Eneida desesperada batendo no vidro.
Olhando pelo retrovisor, o taxista, que usava um Ray-ban e um pano branco enrolado na cabeça, percebeu que a passageira queria lhe comunicar algo.
- Olá, senhorita, em que posso ajudá-la? Perguntou o motorista com um sorriso cativante e com um sotaque de imigrantes do Oriente Médio após ter aberto o vidro.
- Será que você, por gentileza, poderia abaixar o som do seu carro, pois eu estou tentando falar com o pai desta criança que está preste a nascer dando ponta-pés, socos e cabeçadas na minha barriga? Com um sorriso falso e piscando olhos, suplicou Eneida.
- Claro. Como quiser, senhorita, respondeu o motorista.
- Muito obrigado, querido. Eneida agradeceu com contentamento fingido.
- A senhorita programou o parto para ser feito a que horas exatamente? Perguntou curioso Obama Osama.
- Ah? Programar o quê?
- É que, hoje em dia, as mulheres estão programando seus partos pagando uma mensalidade por mês para a Pay2Birth. Essa empresa está faturando no mercado internacional. As futuras mães solicitam no terceiro mês de vida do feto a retirada de dentro delas e o entrega para a Pay2Birth. A Pay2Birth, por sua vez, conserva o feto em bocais feitos de finas paredes de alumínio enfileirados em salas totalmente refrigeradas. Os cientistas, que são os donos e que criaram essa técnica de fecundação, injetam durante os outros seis meses, para dar um sentido de equilíbrio e estabilidade, quantidades de placentina e tiroxina no embrião. Ao ler e assinar o contrato com a Pay2Birth e tiver entregado o seu feto, você escolhe dia e horário para que seu filho nasça, sem precisar sair do trabalho nessa correria. Prático, não?! O futuro já começou e as nossas crianças de amanhã nascerão perfeitas, explicou Obama Osama.
- Você, por acaso, está me achando com cara de vaca elétrica que anda por aí parindo bezerros elétricos ou com cara redonda de relógio programado para despertar às cinco da manhã para ir trabalhar? Eneida Questionou revoltada.
- Não. Eu apenas quis dar uma sugestão. Nos dias de hoje, as mulheres estão tão atarefadas, independentes e livres - Tentou Obama Osama se justificar sem muito jeito no meio daquele trânsito infernal.

Eneida ficou agoniada com aquela orquestra sinfônica desafinada de sirenes e de buzinas harmonizando a disputa de espaço entre humanos e máquinas.

Say that you never, never, never, never, need it. One headline why believe it? Everybody wants to rule the world.

Para dificultar as coisas, seu celular estava com a bateria descarregada e o celular de Homero caía na caixa postal. Sempre prestando atenção na passageira através do retrovisor, Obama Osama, o taxista, pelo menos esse era o nome digitado na carteira de permissão preso no porta-luva, achou que Eneida já tinha acabado de falar ao celular e resolveu aumentar o som novamente. O azar foi dele. Travando os dentes de ódio, Eneida, que já tinha feito vinte e cinco ligações sem sucesso para o celular de Homero, pegou sua bolsa de trabalho e a rumou no DVD Player que ficava acoplado no painel do táxi.

- Já não disse para baixar o som? Berrou a Roma no pé do ouvido das Arábias.
- Sim. Pois não, senhorita. Obedeceu Obama Osama, recebendo a bronca como se um edifício de cinqüenta andares tivesse sido partido ao meio por um avião desgovernado, com se estivesse recebendo sobre sua cabeça, da colisão entre o avião e o edifício, uma chuva de pedacinhos de carne humana.

Apenas na vigésima sexta ligação, já muito estressada, foi que Eneida conseguiu falar com Homero, mesmo assim com um péssimo sinal de recepção telefônica.

- Alô?! Homero?! Louco, onde você está? Minha bolsa resolveu estourar agora e a criança está preste a nascer.
- Agora?! Falou Homero espantado, meio emocionado e gaguejando. Mas eu estou no meio de uma reunião de trabalho entrando em acordo com alguns representantes de uma das maiores empresas da cidade.
- Não importa. Largue tudo que você está fazendo agora e me encontre na maternidade Lady Di. A ligação vai cair, meus créditos vão acabar e a bateria está fraca. Gritou a odisséia no telefone.
- Mas Eneida, eu estou há cinco horas da maternidade. Não dá para chegar lá a tempo.
- Se vire, Homero. Arranje um jeito. Pegue um avião, um helicóptero ou sei lá o quê. Sempre fugindo das responsabilidades, não é, Homero?! Indignou-se a Eneida.
- Sempre ...

A ligação caiu e do outro lado da cidade estava meu pai, Homero, executando negociações estranhas com caras estranhos em um salão que ficava num subsolo de uma pizzaria famosa da cidade, a Pizza Cut. Apreensivo e sem ter o que falar, a testa de Homero e as dos homens gordos com os quais ele estava fechando transações suava. Nesse meio obscuro, onde a escuridão não dava limites às extremidades do salão, Homero assumia outra personalidade, outra identidade: Dante. Esse era o nome pelo qual as pessoas lhe chamavam.

- Rapazes, Dom Cicílio, vocês vão ter que me desculpar, mas eu tenho que deixar vocês agora. Tramem a transação, quanto que será transportado para cidade, quem serão as pessoas envolvidas e depois me passem toda estratégia por escrito. Falou Dante querendo dar as costas.
- Não faça isso, Dante. Não dê as costas para gente e nem desista neste momento. Essa transação é importante para toda a corporação e se alguma coisa der errada estamos todos lenhados, inclusive você. Ordenou Dom Cicílio, o grande chefe.
- Eu sei, Dom Cicílio. Nada dará errado. Eu, trabalhado com vocês há mais de três anos, alguma vez falhei? Tudo sempre saiu perfeito. Não será dessa vez que alguma coisa de mal irá acontecer.
- Nem pense em sair deste salão agora, Dante. Estamos no meio de uma congregação marcada há três meses atrás. Todos que aqui estão vieram de lugares distantes, de diversas partes do mundo e precisam do seu trabalho. Eu estou ordenando!
Batendo na mesa, Dom Cicílio alterou a voz para Homero que abria a porta de saída.
- Dom Cicílio, você tem filhos? Perguntou Homero tentando sensibilizar o chefe.
- Doze, respondeu Dom Cicílio dando gargalhadas.
- Pois eu tenho apenas um que nem nasceu ainda e eu quero olhar para ele assim que nascer, olhar nos olhos da minha criação. Enfrentou Homero.
- Nem pense, Dante. Nem pense. Essa sua saída ferirá o coração do "Pai". A boca de Dom Cicílio espumou de raiva.
- Não existe arco que fira
Meu coração, este excelente
Órgão, e faça nobremente
Cantar só como canta a lira.³

Homero reabriu a porta para dentro do salão e recitou para ironizar a fúria do "Pai" antes de partir.

- Vai se arrepender, Dante. Vai se arrepender. Disse o grande chefe com uma voz rouca e fraca de tanto fumar charutos cubanos extraforte.

All for freedom and for pleasure. Nothing ever lasts forever.


³Fragmento do poema O Gato, de Charles Baudelaire.
Foto: Cartaz da Dentsu de Pequim para o Viagra

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